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Itacaré , Bahia, Brazil
Nesse blog, vou apresentar uma serie de estudos, textos, pesquisas e vivências que fazem parte do meu transito molecular, comumente chamado de vida. Iniciado no Budismo Vajrayana (Tibetano) aos 20 anos. Praticante de Iai do (4º Dan) .Graduado em Psicologia (UFMG - 11980) com formação em Psicologia Analítica. Socorrista (SAR) com especialização em resgate com helicóptero, em caverna e altura. Negociador junto a organizações militares em MG de suicídio com e sem armas letais, sequestro e cárcere privado. Clínica psicológica ininterrupta desde graduação. Amante da vida natural, moro em meio à Mata Atlântica na Bahia.
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quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

“Mitos são pistas”


“Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana.”


“...é a experiência de vida. A mente se ocupa do sentido..” o coração se ocupa da experiência.

O homem atual, imerso que está em novas e surpreendentes tecnologias, se esquece de providenciar um pouco de tempo para experimentar a vida fluindo em si mesma. O que quero dizer com isso? Ele tenta apreender com a mente o sentido da vida, ele não consegue experimentar determinada situação em sí-mesma. Tal fato no meu entender se deve ao desconhecimento da importância da experiência direta da realidade, dos mitos, rituais e histórias espirituais enquanto formadoras do conteúdo intrínseco do inconsciente individual e coletivo.


“Como chegar a esta experiência?”


“...Lendo mitos. Eles ensinam que você pode se voltar para dentro, e você começa a captar a mensagem dos símbolos. Leia mitos de outros povos, não os da sua própria religião, porque você tenderá a interpretar sua própria religião em termos de fatos – mas lendo os mitos alheios você começa a captar a mensagem. O mito o ajuda a colocar sua mente em contato com essa experiência de estar vivo. Ele lhe diz o que a experiência é. Casamento, por exemplo. O que é o casamento? O mito lhe dirá o que é o casamento: é a reunião da díade separada. Originariamente vocês eram um. Vocês agora são dois, no mundo, mas o casamento não é senão o reconhecimento da identidade espiritual. É diferente de um caso de amor, não tem nada a ver com isso. É outro plano mitológico da experiência. Quando pessoas se casam porque pensam que se trata de um caso amoroso duradouro, divorciam-se logo, porque todos os casos de amor terminam em decepção. Mas o matrimônio é o reconhecimento de uma identidade espiritual. Se levamos uma vida adequada, se a nossa mente manifesta as qualidades certas em relação à pessoa do sexo oposto, encontramos nossa parte feminina ou masculina adequada. Mas se nos deixarmos distrair por certos interesses sensuais, iremos desposar a pessoa errada. Desposando a pessoa certa, reconstruímos a imagem do Deus encarnado, e isso que é o casamento.”

A importância que dou ao mito pode, às vezes, parecer um tanto exagerada.

Entretanto retomo o mito enquanto algo pleno de valor religioso e metafísico, pois sabemos que foi a partir de Xenófanes (cerca de 565-470) –  que se começou a rejeitar as expressões “mitológicas” da divindade tais como eram utilizadas por Homero e Hesíodo. Por opor-se tanto ao logos, como mais tarde à história, mythos  acabou por designar tudo “o que não pode existir realmente”.  Por sua feita o cristianismo  relegou para o plano da “mentira” e da “ilusão” tudo aquilo que não era justificado ou legitimado por um dos dois testamentos.

O estudo das sociedades onde o mito permanece “vivo” nos fornece pistas de como o mito é um modelo para o comportamento humano e, advém daí, confere significado e valor à existência.

Neste ponto, tomo emprestado os ensinamentos de Mircea Eliade in “Aspectos do Mito”:

“Seria difícil encontrar uma definição de mito que fosse aceita por todos os estudiosos e, ao mesmo tempo, acessível aos não especialistas. Aliás, será possível encontrar uma única definição susceptível de abranger todos os tipos e todas as funções dos mitos, em todas as sociedades arcaicas e tradicionais? O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares”.

Pessoalmente, a definição que me parece menos imperfeita, por ser a mais lata, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos “começos”. Noutros termos, o mito conta como, graças aos feitos dos Seres Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, quer seja a realidade total, o Cosmos, quer apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narração de uma “criação”: descreve como uma coisa foi produzida, como começou a existir. O mito só fala daquilo que “realmente” aconteceu, daquilo que se manifestou plenamente.  As suas personagens são Seres Sobrenaturais, conhecidos sobretudo por aquilo que fizeram no tempo prestigioso dos  “primórdios”. Os mitos revelam, pois, a sua atividade criadora e mostram a sacralidade (ou simplesmente, a “sobrenaturalidade”) das suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas e freqüentemente dramáticas eclosões do sagrado que “funda” realmente o Mundo e  que o faz tal como é hoje. Mais ainda: é graças a intervenções de Seres Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural.”

O estudo dos mitos, portanto, não se distancia da História das Religiões, ao contrário, integra-se-lhe e dá-lhe conteúdo e subsídios importantes, para a sua compreensão como mecanismo científico de busca do fato metafísico e transcendental.

Heródoto (c. 484 – 425 a.C.) já apresentava descrições admiravelmente exatas de algumas religiões exóticas e bárbaras (Egito, Pérsia, Trácia, Cítia, etc.) e até propunha hipóteses respectivamente às suas origens e relações com os cultos e mitologias da Grécia. Os pensadores pré-socráticos interrogavam-se sobre a natureza dos deuses e o valor dos mitos, e fundavam a crítica racionalista da religião. Assim, por exemplo, para Parmênides (nascido por volta de 520) e Empédocles (c. 495 – 435), os deuses eram a personificação das forças da Natureza. Demócrito (c. 460 – 370) parece até ter se interessado singularmente pelas religiões estrangeiras que, aliás, conhecia.


Existe uma passagem onde o missionário-etnólogo C. Strehlow perguntava aos australianos Arunta por que razão eles celebravam determinadas cerimônias, respondiam-lhe invariavelmente: “Porque os antepassados assim o determinaram.”

Encontramos exatamente a mesma justificação na oração que acompanha o ritual tibetano primitivo (dos Bom-Po = primitivos habitantes do Tibete): “Tal como foi transmitido desde o início da criação da terra, assim devemos sacrificar (...). Como nossos antepassados fizeram noutros tempos, assim fazemos nós hoje”.

É também a justificativa invocada pelos teólogos e ritualistas hindus: “Devemos fazer o que os deuses fizeram nos primórdios”.(Satapatha Brâhmana, VII, 2, 1, 4). “Assim fizeram os deuses, assim fazem os homens”.(Taittirya Brâhmana, 1,5,9,4).

Para ampliar um pouco mais a importância dos mitos preciso distinguir o mito da lenda, para tanto, será necessário falarmos de “histórias verdadeiras” (mito) e “histórias falsas” (contos e lendas).

A diferenciação feita por indígenas entre “histórias verdadeiras” e “histórias falsas” podem nos ajudar um pouco mais na compreensão da importância dos mitos. As duas categorias de narrativa apresentam “histórias”, isto é, relatam uma série de acontecimentos que ocorreram num passado longínquo e fabuloso. Embora as personagens dos mitos sejam, geralmente, deuses e seres sobrenaturais, e as dos contos sejam heróis ou animais maravilhosos, todas essas personagens têm uma coisa em comum: não pertencem ao mundo vulgar. E, contudo, os indígenas sentiram que se tratava de “histórias” radicalmente diferentes. Porque tudo o que é relatado pelo mito diz-lhes diretamente respeito, enquanto os contos, lendas e fábulas se referem a acontecimentos que, mesmo quando introduz modificações no mundo (cf. as particularidades anatômicas ou fisiológicas de certos animais), não modificarem a condição humana enquanto tal.

Efetivamente, os mitos relatam não só a origem do Mundo, dos animais, das plantas e do homem, mas também, todos os acontecimentos primordiais em conseqüência dos quais o homem se transformou naquilo que é hoje, ou seja, um ser mortal, sexuado, organizado em sociedade, obrigado a trabalhar para viver e trabalhando segundo determinadas regras. Se o Mundo existe, se o homem existe, foi apenas porque os Seres Sobrenaturais desenvolveram uma atividade criadora nas “origens”.

Mas, outros acontecimentos tiveram lugar depois da cosmogonia e da antropogonia e o homem, tal como é hoje, é o resultado direto desses acontecimentos míticos. É constituído por esses acontecimentos. É mortal, porque qualquer coisa se passou in illo tempore. Se essa coisa não tivesse acontecido, o homem não seria mortal: teria podido existir indefinidamente, como as pedras, ou poderia ter podido mudar periodicamente de pele, como as serpentes, e, desse modo, seria capaz de renovar a vida, isto é, de recomeçar indefinidamente. Mas o mito da origem da morte conta o que aconteceu in illo tempore, e, relatando esse incidente, explica por que razão  o homem é mortal.

Do mesmo modo, uma determinada tribo vive da pesca, porque, nos tempos míticos, um Ser Sobrenatural ensinou os seus antepassados a capturar e cozinhar os peixes. O mito conta a história da primeira pesca, efetuada pelo Ser Sobrenatural e, ao fazer isso, revela simultaneamente um ato sobre-humano, ensina aos humanos o modo de o efetuar e, finalmente, explica por que razão essa tribo deve alimentar-se desse modo.

Enfatizando...a função soberana do mito é revelar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas: tanto a alimentação como o casamento, o trabalho, a educação, a arte ou a sabedoria. Esta concepção é importante para a compreensão do homem das sociedades arcaicas e das contemporâneas.

Uma última consideração em relação às circunstâncias em que o mito pode ser contado. Geralmente, os velhos, que são detentores dos mitos comunicam-nos aos neófitos durante o seu período de isolamento e isso faz parte de sua iniciação. Enquanto as “histórias falsas” podem ser contadas em qualquer ocasião e lugar. Os mitos só devem ser recitados durante um período de tempo sagrado.



Marcus Vinicius Moreira de Assumpção

Inverno de 1999