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Itacaré , Bahia, Brazil
Nesse blog, vou apresentar uma serie de estudos, textos, pesquisas e vivências que fazem parte do meu transito molecular, comumente chamado de vida. Iniciado no Budismo Vajrayana (Tibetano) aos 20 anos. Praticante de Iai do (4º Dan) .Graduado em Psicologia (UFMG - 11980) com formação em Psicologia Analítica. Socorrista (SAR) com especialização em resgate com helicóptero, em caverna e altura. Negociador junto a organizações militares em MG de suicídio com e sem armas letais, sequestro e cárcere privado. Clínica psicológica ininterrupta desde graduação. Amante da vida natural, moro em meio à Mata Atlântica na Bahia.
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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021





Sob os domínios de Pã


O Medo, este nosso ancestral.


Uma contribuição ao estudo dos medos. 


Pã é o deus agreste, o deus dos cultos pastorais, de aparência meio humana, meio animal, barbudo, chifrudo, peludo, vivaz, ágil, rápido e dissimulado, ele exprime a astúcia bestial, básica. Eternamente à procura da satisfação sensual e sexual e, nunca a realizando, continua incessantemente a cata daquela que será capaz de satisfazê-lo.

Pã é filho de Hermes e Driope que, horrorizada com a monstruosidade, com a feiúra de Pã, o rejeitou, mas Hermes o acolheu e o envolvendo numa pele de cabra, levou-o para o Olimpo, colocando-o junto a Zeus. Os outros deuses ao verem a criança, se alegraram muito, sobretudo Dionísio, que mais tarde o engajaria em seu cortejo.

Os imortais deram-lhe o nome de Pã pelo júbilo que provocou em todos, daí a etimologia popular que confundiu Pan-jubilo (Παν) com Pan-Tudo (Παν).

Semelhante etimologia será retomada posteriormente pelos mitógrafos e filósofos que verão nesse deus menor a encarnação do Universo, do Todo.

A Pã não é atribuído exatamente um mito. Sua função era ser um deus dos pastores e dos rebanhos.

Turbulento e jovial era em parte zoomórfico e em parte humano. 

Dotado de agilidade prodigiosa, percorria grutas, vales, bosques, em perseguição incansável às ninfas. Quando não as encontrava, satisfazia seu imenso apetite sexual com jovens ou se masturbava.

Seus principais atributos eram a flauta (que o aproxima da ninfa Sirinx), o cajado (que o aproxima de um mentor, aquele que conduz) e uma coroa trançada de folhas de pinheiro (que o aproxima da ninfa Pítis).

Os deuses deram-lhe o nome Pã não apenas por se identificarem com ele sob múltiplos aspectos, mas também porque o novo deus encarnava uma tendência inerente ao Universo como um todo. "Deus do Todo" traduz a energia genésica deste Todo ou Todo da Vida.

Seus aparecimentos súbitos, seus gritos (Iinx) provocam o Pânico, o terror que se derrama sobre a natureza e impregna todos os seres, ao se sentir a presença de uma divindade que perturba o espírito e enlouquece os sentidos. Despido desta sensualidade primária irrefreável, o deus personificará mais tarde o Grande Todo, O Todo de cada Ser.

Aqui surge o principal e primordial interesse psicológico nos relatos sobre o deus Pã.

No estudo aprofundado da "psiqué" humana, lançando mão dos relatos e mitos do deus Pã, vislumbramos ali as sementes da cura.

Existe um objeto que está fortemente associado ao deus Pã: a flauta. 

Pã se encontrava (mais uma vez) perdidamente apaixonado por uma ninfa (Sirinx) e a perseguia incansavelmente. Sirinx, para se ver livre de tal desmesurado assédio, pede refúgio e acolhida a seu pai, o rio Ládon, que a acolhe em suas margens e a transforma em caniços, que ao sopro do vento emitia sons lúgubres. Pã, reconhecendo ali a voz de sua amada, corta alguns caniços em tamanhos diferentes, une-os com cera e confecciona assim uma flauta que recebeu o nome de Sirinx, em homenagem à ninfa.

Curioso é que, o sufixo "iinx" é o nome de uma ave mítica filha do próprio Pã com outra ninfa, Eco. O vocábulo grego "iinx" significa gritar e, de fato, existia uma ave que era chamada "iinx" por causa de seu grito estridente. Popularmente dita ave era chamada, ora de "alvéola" ora de "torcicolo" pois, ao emitir seu pio torcia o pescoço daquela forma que torce quem está acometido do mal, movimentos repetitivos de um lado para outro com o fito de aliviar o incômodo.

Esta ave era usada para sortilégios e filtros amorosos. Os seus gritos impregnavam os ouvidos e a alma da pessoa que se queria atingir, impedindo que ela se afastasse, presa que estava pelo encantamento.

Pois bem, quando Pã queria provocar paralisia pelo medo ele gritava a plenos pulmões e, quando o seu desejo era tão somente de "encantar", "envolver", ele tocava a Sirinx e assim ele igualmente "aprisionava", "paralisava".

O sujeito tomado de pânico está como que encantado preso por algum sortilégio ou feitiço, isso tanto nos tempos passados como no presente.

Ora, Pã é um deus vivaz, primordialmente relacionado com as energias genésicas básicas, energias de criação, de procriação, de satisfação básica dos sentidos carnais e inerentes a todo ser humano.

Ao observarmos os sintomas que qualificam o paciente de Transtorno do Pânico, encontramos o seguinte: o indivíduo tem sudorese, taquicardia e palpitações, tremores ou abalos, sensação de falta de ar ou de sufocamento, sensação de asfixia, náuseas ou desconforto abdominal, sensação de instabilidade, vertigem, tontura ou desmaio, sensação de irrealidade ou despersonalização, medo de perder o controle da situação, medo de enlouquecer, calafrios ou ondas de calor, parestesias (sensação de anestesia), formigamento das extremidades, medo de morrer.

Pois bem, sempre que estamos diante de situações que exigem um envolvimento total do corpo e/ou da alma, irrompem um ou mais de um dos sintomas acima descritos, em maior ou menor intensidade, variando com as características individuais.

Basicamente são respostas do Sistema Nervoso Simpático que, efetuando uma descarga em massa de hormônios, na qual a medula supra renal também é ativada, lança no sangue a adrenalina e assim surge uma reação de alarme. Situações emocionais sempre lançam na circulação certas quantidades de hormônios que têm a função de "acordar" o organismo para o evento em questão. Em situações corriqueiras estes níveis hormonais atuam somente em uma víscera ou poucas vísceras, raramente se expandindo por todo o organismo. Entretanto, nas situações sentidas pelo corpo/alma como limítrofes descargas massivas de adrenalina caem na circulação produzindo sintomas bastante conhecidos como Síndrome de Emergência de Cannon (“to fight or to flight").

Assim é que numa situação real de emergência, numa situação paranóica ou numa situação fóbica, há uma maior transformação de glicogênio em glicose que, uma vez lançado no sangue, aumenta as possibilidades do consumo de energia pelo organismo. Há um aumento das condições hemodinâmicas nos músculos que se faz por vasoconstrição nos vasos cutâneos e mesentéricos (provocando palidez), aumento da freqüência cardíaca acompanhado de um aumento na circulação coronariana. Ocorre ainda um aumento da pressão arterial, o que pode causar a morte p. ex., por ruptura de vasos cerebrais. Nos olhos ocorre a dilatação das pupilas, nos intestinos diminui o peristaltismo e o "trancamento" dos esfíncteres. Na pele ocorre a ereção dos pelos e o aumento considerável da sudorese.

Essa é uma descrição clássica da reação de emergência do organismo diante de um ataque real, podendo surgir também pela evocação de um ataque imaginário. O surgimento destes ou de alguns destes sintomas sem o devido disparo físico, nos sugere a ocorrência de uma situação que classificamos como de medo irreal, pânico ou reação fóbica. Ora, se não está havendo um estímulo físico, observável, temos que supor que este estímulo está presente em outro nível, e só nos resta o nível da alma.

A abordagem puramente orgânica desta sintomatologia nos leva a um caminho perigoso e na maioria das vezes, sem volta. Os psiquiatras menos sensíveis reduzem este fenômeno a descargas puramente hormonais, químicas e isso é uma banalização extremamente perigosa. Neste momento está sendo desconsiderada uma parcela imensa da economia orgânica do indivíduo qual seja, a parcela que pertence à alma, ao inconsciente.

É interessante notar que uma grande parte de drogas utilizadas no tratamento do Transtorno do Pânico (posto que não existem drogas antipânico), são: anticonvulsivantes (clonazepan= Rivotril, Klonopin); antidepressivos tricíclicos (ADT)=imipramine, clorpramine (Anafranil); benzodiazepínicos e inibidores seletivos da reabsorção (reuptake) de noradrenalina e serotonina.

Estas drogas, em sua atividade química, inibem a transmissão da informação nervosa, que com o bloqueio pré ou pós sináptico, impede que o trânsito da informação chegue ao córtex, impossibilitando assim a totalidade da experiência, seja ela qual for. De fato, estas drogas burlam, negam ao consciente a totalidade da experiência do organismo, da alma. E mais, certamente a consciência do médico deveria estar desperta para o fato inquestionável de que, a maioria destas drogas, pode fazer surgir ao longo do tratamento o quadro tão bem conhecido pelos profissionais de saúde mental: a esquizofrenia oculta. Deveria ser levado em conta a troca de um sintoma por outro!!!

A administração cautelosa de psicofármacos se faz necessária com o fito específico de suprimir o surto, o eclodir do pânico que é terrível...e a administração da droga deveria se resumir a isso, o abaixamento dos horríveis níveis do pânico... um bálsamo. Nesta condição de sedação, o sujeito deveria ser conduzido pela mão experiente do sábio, à presença do deus Pã, o doador do pânico, pois só ele pode reverter o processo.

O sujeito tomado de pânico tem que se curvar ao grande deus e escutar o que ele tem a dizer ou o que tem a mostrar (ab-reação) e é tão somente nesta perspectiva que a cura se efetuará.

Em nossa ânsia de salvarmos o indivíduo não podemos, apenas, darmos uma droga por outra. Eu digo que as doenças sejam do corpo ou da alma não deveriam ser "tratadas" mas, antes, acudidas e pensadas (literalmente: pesadas do latim "pesare” = pensar por comparação).

Fica claro que o sujeito precisa ser acudido prontamente, com pena de acontecer algo mais grave. A aplicação de drogas psicofarmacológicas deveria ser empregada como bálsamo, não como tratamento. A validade destas drogas como tratamento fica discutível quando não vemos resultados efetivos e duradouros para o caso em questão. A própria inexistência de drogas antipânico por si só, já nos dá o que pensar.

A epidemiologia nos mostra uma recidiva em tratamentos ditos bem sucedidos, em até dois anos depois de findo o tratamento, o que nos sugere que o núcleo real do problema não foi alcançado.

Por outro lado, o tratamento psicoterapêutico também não surte efeito inicialmente posto que, naquele momento, o indivíduo está sucumbindo sob o peso da síndrome e é aqui que a droga precisa ser usada como um bálsamo. Superada esta fase inicial, onde se estimam terem sido bloqueados os sintomas mais emergentes, deve-se iniciar um trabalho de psicoterapia profunda onde os aspectos mais ocultos, mais sombrios da alma, deverão ser muito bem explorados e aqueles conteúdos constelados de uma forma patológica deverão ser compreendidos, interpretados e trazidos à luz, onde se dissolverão e, com isso, também os sintomas e a doença que eles provocavam.

É somente no estudo cauteloso e sistemático das profundezas da alma, que encontraremos os elementos capazes de elucidarem o "porquê" do desenvolvimento patológico daquele indivíduo.

O afloramento dos sintomas do TP no início da idade madura (mais ou menos dos 23 aos 32 anos) sugere que tem algo a ver com o enfrentamento da vida adulta e a sua incapacidade de fazê-lo. De fato, temos encontrado na anamnese do paciente, história de desvalorização, de desqualificação e de amor e afeto condicionais; algo próximo do "Puer Aeternus". O que vem a ser isso? Na infância do sujeito podemos encontrar situações domésticas onde os seus valores pessoais são suprimidos na forma de um extensivo e continuado processo de desvalorização, de negação dos desejos e sentimentos mais pessoais. Estes sujeitos têm uma forte atração pela figura materna, que é poderosa, totalitária e, some-se a isso, na maioria das vezes coincide que a figura do pai é frágil, senão totalmente ausente. Denota-se daqui que, o sujeito assim criado, não desenvolve a energia necessária para, mais tarde, penetrar na esfera do tempo e do espaço do adulto. Fica incapacitado pela inflação do feminino e pela aniquilação do masculino, de organizar adequadamente as forças genésicas básicas que dão sustento e suporte ao indivíduo maduro, pronto, capaz de suportar o peso natural da vida. Encontramos no paciente um quadro denominado "puer aeternus", onde a característica central é a inadequação para o cotejo com a vida adulta, uma incapacidade de se afastar da infância, da juventude.

O sujeito "Puer" tem uma forte e indissolúvel ligação com a mãe. Ele a cultua de uma forma intensa. Não consegue se desligar de sua imagem de protetora e provedora de todos os bens e prazeres mundanos. Tal atitude se reforça continuadamente se existe a ausência do pai, que deveria interditar tal tipo de relação, resgatando para si a mulher e fazendo com que a criança passe pela "teleté" (cerimônia de iniciação) sempre sofrida de, morrer de uma vida infantil, indiferenciada, para renascer para uma vida diferenciada, onde a mãe agora, começa a existir de uma maneira mais distanciada...adequadamente distanciada. Existe uma incapacidade em se deixar para trás a juventude e uma consequente impossibilidade em se penetrar no mundo dos adultos. A própria figura de Pã nos sugere isso em alguma medida. Vivaz, mordaz, buliçoso, dissimulado, satírico, eternamente à cata de prazeres sexuais, incapaz de se relacionar adequadamente com as mulheres, diria mesmo que seria o precursor do Donjuanismo que vem a ser uma das características marcantes do indivíduo "puer”..

As formas marcantes do indivíduo "Puer Aeternus" são dados pelos dois distúrbios típicos desta personalidade: o homossexual e o Dom Juan. No último caso a imagem de mulher que tudo dá e a tudo atende no homem e que, principalmente, é perfeita, sem nenhum defeito, é procurada em todas as mulheres. Este homem procura uma mãe-deusa e, a cada vez que se apaixona, logo descobre que ela é um ser humano comum e aqui ele parte para uma nova conquista, deixando aquela para trás porque inútil aos seus propósitos idealizados, inatingíveis, posto que os deuses não estão na esfera do humano.

O homossexual, reduzidamente e resumidamente, é aquele que, tendo tão forte a imagem de mãe-deusa, não ousa, mesmo porque não está presente a força masculina necessária para desvelar o mistério de nenhuma mulher, preferindo se encontrar prazerosamente com iguais. Um distúrbio, inequivocamente, da incapacidade de se diferenciar. Fica constelado eternamente dentro do bojo materno e daí não querendo sair. É capaz de penetrar na vida adulta, mas de uma forma torta, de viés, posto que os atributos de masculinidade e feminilidade estão indiferenciados. Há uma inflação, na maioria das vezes da afetividade (que é um atributo feminino), tudo tende ao exagero, as coisas ficam distorcidas e raramente o prazer sensual, sexual e afetivo se dá de maneira adequada, pelo simples fato de não haver o núcleo "opositorum" que determina uma relação propriamente dita. Uma relação homo, não é uma relação, é uma visão especular de si mesmo.

No caso do paciente de pânico existe um híbrido no tocante aos atributos de personalidade (Donjuanismo e homossexualismo). Não encontramos neste sujeito de pânico, necessariamente, nem um nem outro atributo acima descrito, mas uma fusão dos dois. A inadequação de comportamento descrita como Síndrome de pânico, sugere uma dissolução mais ou menos acentuada do quem-sou-eu e, também está presente, como dito anteriormente, uma forte energia sexual, dirigida não especificamente para um ou outro sexo, mas dirigida tão somente para sua descarga, para a sua resolução. Ora, é de se esperar encontrar num sujeito fortemente ligado à mãe, uma ausência de personalidade bem individualizada e bem estruturada. Ainda existe aqui uma ambigüidade, uma indefinição de personalidade que incapacita o sujeito de tomar decisões, no mínimo de enfrentar e resolver adequadamente o dia-a-dia.

"Puer aeternus" vem a ser o atributo principal de um deus da antiguidade de nome Iaco (Iakhos). Na realidade Iaco é o nome místico de Baco nos Mistérios de Elêusis. Ora, Iaco provém de iakhe (grande grito, particularmente, grito de combate ou de alegria). De novo nos encontramos aqui com o "grito". O gritar é uma característica da infância, da adolescência...é o se fazer ouvir de qualquer jeito, é a substituição da palavra pela imposição do sentimento que ela traduz.

Entretanto, o grito aqui está relacionado com uma situação de iniciação. De fato, nos Mistérios de Elêusis, os neófitos gritavam ao adentrar, ao ultrapassarem o umbral do Templo de Demeter: "Iaco!, Oh! Iaco!", e este grito sagrado acabou por transformar-se no próprio deus. É através das mãos da inocência, da criança, de Iaco, que somos levados a conhecer os grande Mistérios, mas não podemos nos confundir e fundir com a criança mesmo. Existe um dito tibetano que fala: “Aponte a lua com o dedo, mas não confunda a lua com o dedo".

Os atributos da criança, a inocência, o estar desarmado, devem nos conduzir na direção do conhecimento, mas, uma vez adquirido o conhecimento, há que ser abandonada a postura infantil, indiferenciada diante do mundo. Aqui surge a cisão, a separação, e toda separação traz dor, desconforto, inquietação e desorientação. Referenciais antigos são abandonados, e referenciais novos se impõem. Tudo é novo. A velha criança precisa ser abandonada. O nome de criança precisa ser trocado por um novo nome. O paraíso adâmico precisa ser deixado para trás e uma nova constelação de eventos surge à nossa frente, desconhecida, inédita.

Ora, um distúrbio típico dos transtornos de Pânico é a "agorafobia". O que vem a ser isso? "Ágora" é o grande paço, a praça grega onde os encontros se davam, onde os encontros se tornavam possíveis. A agorafobia se traduz pelo medo do encontro, pelo medo do novo, do desconhecido...e o outro é sempre desconhecido. Daí, a inadequação destes tipos patológicos de não enfrentarem a vida e o outro, pois estes, são a exata tradução do desconhecido, e somente a pessoa madura, acabada, iniciada nos Mistérios, é que é capaz de caminhar na direção do desconhecido absoluto que é o porvir.

Estamos arranhando a forma, mas não estamos enxergando o modelo que deu origem à forma. Por que o medo, por que a angústia, por que todos os sintomas de infantilização, por que não soltar a mão da mãe, por que não se separar de seu útero protetor?

Por trás de tudo isso está a morte.

A morte nos espreita à porta do útero.

Somente dentro do útero é que o homem está a salvo do morrer, porque ainda é vida-dependente. Não tem vida própria, seu existir está suspenso pelo cordão que o prende à matriz. No momento mesmo da ruptura deste cordão o ser é imediatamente acolhido pela morte, pela sua própria morte....e aqui está o terrível destino do ser: morrer inexoravelmente a cada dia. Experimentar o morrer, consciente ou inconscientemente, em todos os gestos, ações, coisas, realizações, objetos, pessoas...este é o morrer pleno, digno, maduro.

Não existe "vida" fora do útero, existe apenas um imenso fluxo de morte. A vida é intangível, apenas a morte é tangível.

Toda a história do homem é pautada na percepção inconsciente deste fato e, todas as criações filosóficas e religiosas vieram a existir para tentar facilitar a convivência com tal fato grandioso.

Na dimensão patológica do "puer aeternus" fica a tentativa de, não se afastando da infância, da juventude, não se aproximar da velhice e da morte...como se a morte fosse um privilégio da velhice.

Desta forma, gostaria de trazer a questão do pânico para o âmbito da personalidade infantil, inadequada, do sujeito que é acometido de tal nosologia.

Talvez aqui resida o núcleo de todo o processo do transtorno.

Uma verdadeira e empática compreensão da história de vida do paciente se faz necessária.

O conhecimento da complexidade psicológica e não somente psicopatológica se faz mister.

O atendimento primário do paciente deveria ser feito, ou por um psiquiatra com sólidos conhecimentos de psicologia profunda, da alma humana ou por um psicólogo com sólidos conhecimentos de psicopatologia.

A fogueira de vaidades alimentada por médicos e psicólogos radicais só faz ruir a construção de apoio e atendimento ao paciente portador do Transtorno do Pânico ou de qualquer outra situação patológica.

Existe a necessidade do apoio medicamentoso ao paciente, mas este deve ser apenas o início de uma jornada que, raramente é curta. O cerne da caminhada deve passar pelas profundezas da alma, caminhada esta que levará o sujeito à presença temível, mas necessária do grande deus dos gritos e, uma vez tendo se curvado à presença do grande deus do todo e conhecido os mistérios que envolvem suas mensagens, descobrir-se-á que os sortilégios, o grito paralizante que ele deu, não tiveram outra função senão a de matar ou paralisar o que precisava morrer ou ser paralisado, para que   possa nascer para uma morte mais digna, aquele ser que estava atrofiado, amedrontado, irrealizado.

É esta a morte simbólica que todos temem e, por não compreendê-la, a confundem com a morte verdadeira.

A única forma de banir para sempre o pânico é você assumindo a sua própria mortalidade, abraçando a morte com prazer e não com desdém. Fazendo a sua própria morte ser cotidiana e não mais postergá-la para a velhice. Fazer dela a sua companheira cotidiana, e mais, dar a ela o poder de te matar suave e longamente. Se este pacto for bem feito, a sua morte passará a ser a guardiã do seu morrer, não permitindo que nada nem ninguém o mate e, desta forma, estaremos resolvendo de imediato um dos problemas centrais do pânico qual seja, a "agorafobia". Na comunhão com a própria morte, estará o indivíduo protegido das dores do existir, pois, a partir daí, a compreensão de que tudo é impermanente se torna o fulcro central da existência. Com a compreensão da impermanência, surge a clareza da mortalidade, da finitude e, como conseqüência fica mais fácil transitarmos neste mundo de apego que, em última instância é o verdadeiro provocador do pânico.

Apego, esta é a grande rocha sobre a qual Pã está assentado, onde ele tem os pés (seus cascos fendidos) bem plantados,  onde ele encontra firmeza para fazer tremer o próprio Olimpo.


Marcus Vinicius Moreira de Assumpção

Psicólogo clínico

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021


O Suicídio ou a Entrada na Morte



De modo geral estamos habituados a pensar no suicídio como uma saída covarde da vida. As formas pela qual isto se dá são as mais variadas. São fartamente documentadas pela estatística criminal na forma de bilhetes, cartas, comentários, constatações, etc.

O suicídio é, ao mesmo tempo que uma saída da vida, uma entrada de alguma forma consciente para a morte.

Quero tratar aqui da morte que escolhemos, diferenciando-a da morte que vem ao nosso encontro (a morte natural, cotidiana).

Como analista, trabalhando dentro de um recinto hermeticamente fechado para o coletivo, que é o consultório, vejo desfilar à minha frente, situações e vivências, mais do que qualquer outro profissional de saúde veria. Por exemplo, um médico tem a sua frente um paciente que traz em seu corpo uma marca, um sinal, um sintoma que pode, em alguma medida ser sanado (ou não). Nesta medida, ele trata de uma manifestação exterior e, também pôr esta razão, não toma a doença do paciente como a sua doença; este é o seu “modus operandi”... O analista o faz, na medida que o processo transferência\contra-transferência é o cerne da análise.

Na análise profunda da alma, que é o que ocorre em nossa prática, esbarramos, necessariamente, com a morte e com a sua possibilidade auto-engendrada que é o suicídio. Albert Camus in The Myth of Sisyphus diz: “Não há senão um único problema filosófico sério: é a questão do suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena de ser vivída equivale a responder a questão fundamental da filosofia. Todo o resto... daí decorre. Esses são jogos: deve-se primeiro dar uma resposta”.

Assim é que, se desejamos aprofundar de fato a reflexão sobre o viver e defrontarmo-nos seriamente com a realidade, nos chocaremos frontalmente com a mortalidade. É somente da vida que podemos observar a morte, um morto não pode absolutamente fazê-lo. Somente quem está vivo é que pode morrer, assim sendo, consciente ou inconscientemente estamos nos debatendo com a questão última.

Nós, mortais, temos uma atitude, no mínimo insensata de encararmos a morte: nós a percebemos como alguma coisa que acontecerá na velhice, alguma coisa que pertence a um tempo distante (que exorcizamos continuadamente), alguma coisa que poderá acontecer na continuidade de uma doença. Nós a percebemos como a entrada para uma outra vida, nós não a colocamos nesta existência senão no último segundo deste existir aqui. Perdemos de vista que, na realidade, nós entramos na morte quando nascemos; a morte interessa à vida. Quando nascemos já temos idade suficiente para morrermos.

Qualquer pessoa que ultrapasse o umbral de um consultório está mobilizado pela morte em qualquer um dos seus aspectos: doença física, depressão, perda (morte) de um ente querido, uma separação, a perda de um negocio, a instalação em si mesmo de uma doença degenerativa, um acidente, e quanto ao suicídio, devemos atentar para o fato de que não existe apenas uma forma de suicídio, ou colocado de outra forma, muitos são os substitutos para o suicídio e ainda assim guardam em grande forma o seu “status”. O que seriam estes substitutos?, os acidentes, as doenças auto-imunes, as drogas, o alcoolismo, o trabalhar compulsivo. O suicídio coroa a questão se impondo diante de nós de forma definitiva e implacável. Não há o que ser dito ou interpretado no suicídio enquanto ato acabado. Ali à nossa frente não está apenas um morto, está alguém que conjurou a própria morte (cunjurare: jurar junto), está ali alguém que determinou como seria o restante de sua existência; está ali alguém que resolveu sair da vida ou resolveu entrar na morte? Não quero que sejam estas palavras tomadas como um jogo, mas que sejam vistas como a perspectiva que descortina alguém que se colocou no umbral de dois mundos, levado até ali seja pela razão que for.

A nossa tentativa de encarar o suicídio de uma maneira diferente daquela que na maioria das vezes é encarado, decorre desta participação sinistra que se dá no “temenós” formado no consultório. “Temenós” é o espaço sacralizado por um rito e que determina o ambiente onde fatos extraordinários, supranormais acontecerão. Que fatos supranormais seriam esses? São revelações, são descrições, são relatos de uma região tão próxima e tão distante qual seja a alma. O que nos vemos aqui é o desnudamento da alma do sujeito no encontro analítico. Desnudamento por um lado e contemplação pelo outro; diferente do encontro médico e/ou psiquiátrico (que é o médico que prescreve drogas para os sofrimentos da alma, ele só vê os sintomas, mas desconhece o funcionamento dos meandros da alma), que é um encontro onde se estabelece um laço de confiança e transferência apenas como acessório daquele momento em particular. Na análise profunda, entretanto, a transferência é mais que um acessório é a base do encontro, e aqui o encontro é aberto, é incondicional, sob pena de não haver a menor possibilidade da continuação da análise. Aqui ocorre o surgimento do laboratório alquímico onde analista e analisando se fundem num processo de descobertas de ambos os lados. O foco é que fica dirigido de forma natural e serena sobre a figura do analisando, mas as transformações ocorrem nos dois sujeitos de forma profunda e gradual.

Esta aliança singular a qual chamo de pacto sinistro (sinistro porque é um pacto feito às cegas, incondicional, sem nenhuma forma de restrição, sem qualquer crítica, sem qualquer julgamento de valor ou ético), e que é a base de trabalho necessária para que a vida/morte surja em todo seu esplendor. Enquanto nos encaminhamos para as profundezas da alma daquele ser que está a nossa frente, vamos nos encaminhando de forma inexorável de encontro à morte dele mesmo (e também da nossa) enquanto única certeza. Aqui, talvez, a expressão sinistro possa ser mais bem entendida, pois, no nível superficial podemos ver a morte manifesta, mas a nível profundo podemos ver a morte se insinuando, se instalando, se organizando...se cumprindo. De fato, a vida é apenas aquilo que vemos de fora, de dentro só encontramos morte acontecendo, e coisa curiosa, quando vemos a morte aqui de dentro de maneira clara, inequívoca, ela não se nos mostra mais de forma tão aterradora, passa ser apenas a vida se consumindo a si mesma, mais ou menos rapidamente, de conformidade com as deliberações tomadas por, e às vezes impostas àquele ser.

Pronto. Esbarramos finalmente na alma, que é este lugar de Luz e de Sombra. Aqui está o fundo do labirinto. Aqui reside o monstro que foi criado e  aprisionado pelas paixões, pelo orgulho, pelo amor, pelo ódio, pelos afetos, pela educação daqueles que temem a morte e que, ainda mais dramático, tem contato com a imensidão do inconsciente coletivo, lugar depositório de toda a história da humanidade desde seus primórdios. Não há como ignorarmos a presença deste inconsciente. Ele se faz presente pelos ruídos interiores, se insinua nos sonhos, aparece projetado na pessoa à nossa frente, parece estar escondido naquele canto escuro da noite. Esta é a Sombra. Esta é a dimensão mais temida e apaixonante de todo o ser. É a parte de nós mesmos que amamos e tememos com tanta ferocidade. O medo, o pânico, os receios, o pavor da morte, até mesmo o tão decantado amor tem uma predileção toda especial pôr esta região.

O suicídio é a possibilidade que está instalada na alma desde o nascimento. É a certeza que todos os seres têm, não importando etnia, crença ou religião, de poderem dispor da própria existência. No entanto não sabemos como administrar esta certeza posto que a elucidação da morte passa a pertencer à teologia e à sociedade que, aquela, baseada no exercício da fé, estabelece dogmaticamente os rituais de morte como: os últimos sacramentos, os ritos funerários e elucubrações escatológicas sobre o Céu e o Inferno, e a cultura, controlando e criminalizando tal ato por significar, em alguma medida, a falência, a morte de uma parcela de si mesma.

É necessário este nível de reflexão, ainda que confronte, num primeiro momento, com as dinâmicas sociais, religiosas, médicas e morais.  

Citando  James Hillman:  “A Teologia sempre soube que a morte é a primeira preocupação da alma. Num certo sentido, dedica-se a morte [......] A morte, entretanto, dificilmente se abre à investigação teológica. Os cânones foram estabelecidos por artigos de fé. A autoridade do sacerdócio deriva seu poder das leis que representam uma posição elaborada em relação à morte. A posição pode variar de religião para religião, mas está sempre presente. O teólogo sabe em que terreno está pisando a respeito da morte. As escrituras, a tradição e o ministério dizem-lhe porque existe a morte e o que se espera dele em relação a ela. O esteio da psicologia do teólogo, bem como sua autoridade, é sua doutrina sobre a vida-após-a-morte. As provas teológicas para a existência da alma estão de tal maneira ligadas aos cânones da morte - cânones sobre a imortalidade, o pecado, a ressurreição, o juízo final- que uma indagação direta põe em dúvida a própria base da psicologia teológica. A posição teológica , devemos lembrar, começa no pólo oposto ao pólo psicológico. Ela parte de dogmas, não de dados; parte não da experiência viva, mas cristalizada. A teologia precisa da alma para conferir uma base a seu elaborado sistema de crença sobre a morte, que é parte de seu poder. Não existisse a alma, a teologia provavelmente a inventaria, a fim de justificar as antigas prerrogativas sacerdotais sobre morte.”

Assim é que, a análise psicológica profunda, ou psicologia do inconsciente é um pensar aberto, não redutivo (tal como a psicanálise freudiana ou crenças religiosas) não fechado por nenhum dogma que seja, para que a compreensão possa se dar no ambiente de ocorrência dos mistérios profundos da alma, no fundo daquele labirinto, naquele lugar sombrio onde apenas alguns tipos de seres se aventuram: os loucos (que escorregaram para aí) e daí não saem pôr se tratar, de fato, de um lugar magnífico e passam a literalizar, a atribuir um significado real ao que está sendo visto e vivido; os heróis, pois se metem em aventuras para resgatarem princesas e quimeras, e nem sempre são bem sucedidos nesta empreitada, morrendo na maioria das vezes, no confronto com os monstros que lá residem,  mas se saem, saem renascidos, modificados e maiores pela jornada heróica necessária à individuação, os xamãs (atualmente os psicólogos do inconsciente), que são levados até lá para resgatarem alguma alma que se perdeu e pede socorro ou porque ele mesmo está em plena jornada de descoberta interior e os poetas e artistas que sentem os vapores oriundos destas profundezas  e são capazes de transformas aquelas visões em expressões de beleza inaudita...ou às vezes maldita.

 Muito bem, mas onde é que está todo mundo, todo o resto das pessoas? Elas estão aí em cima, metamorfoseadas em qualquer um dos tipos descritos, ainda que não tenham uma consciência clara disso.

Loucos são todos aqueles que teimam em não dar a medida necessária de uma determinada realidade. Assim é que o apaixonado não tem a medida para perceber a extensão da díade amorosa que o levará ao sacrifício de si mesmo. Assim é com o homicida que julga ver no outro algo que precisa ser destruído para que de alguma forma ele possa continuar vivendo. Assim é com os sacerdotes que entendem que o pecado se espalhou pelo mundo e cortou as vias de acesso com Deus e que só eles conhecem os atalhos do Paraíso.

Heróis são os que se assemelham aos “daimons”, seres intermediários entre os deuses e os loucos mortais comuns. Julgam-se acima de normas e estatutos sociais, e se igualam a deuses e demônios em outras circunstâncias. Estão sempre intoxicados pêlos vapores que vem das profundezas do labirinto, e assim, ficam inflacionados pôr uma visão supra racional da realidade e precisam encetar jornadas que os conduzam ao encontro do si mesmo e que depois retornam para atuar como agentes modificadores de sua sociedade.

Os xamãs/psicólogos são aqueles que, necessariamente, já passaram pêlos dois estágios anteriores e guardam com cuidado, as marcas trazidas daquelas jornadas, sem se jactarem de seus achados e experiências, guardando, isto sim, um silêncio profundo, onde na maioria das vezes, todos estão gritando seus feitos.

Assim é a jornada pelo reino da morte, que é a vida no seu aspecto mais profundo, íntimo e último. Um autor,  uma vez descreveu a morte como o último capítulo da vida, eu digo que a morte é o ÚNICO capítulo da vida. A vida é o que acontece enquanto se morre. 

De que perspectiva podemos então olhar para o suicida?

Qual é o paradigma que nos ajuda na elucidação de tal feito?

A análise médica e criminal esclarece o como. A análise estatística distribui este como geopoliticamente. Tudo sugere que é na análise da alma que poderemos encontrar respostas, senão indagações colocadas de uma vertente nova, a fim de termos uma visão mais coerente do fenômeno que ora tratamos aqui e que não é absolutamente, nem sintoma, nem síndrome, mas apenas um ato possível dentro do ser, e que, no entanto, nos deixa perplexos porque impotentes diante do morrer do outro, como também porque nos relembra de que aquele principio de morte está dentro de nós a todo o momento.

Haveremos que lembrar que sempre somos desconhecidos de nós mesmos, e carregamos dentro de nós uma multidão de “eus” já que o caráter (Xarater = sêlo, grego)está perdido.

Pôr um momento deveríamos deixar de lado qualquer conceituação jurídica, teológica, social, estatística, moral, médica do suicídio e tentarmos vê-lo como parte integrante do existir. De fato, o suicídio é o único problema existencial sério, pois, coloca a morte não na mão do destino ou de deuses, mas na mão do próprio indivíduo. Passa a ser parte integrante da bagagem (do Phortion = mochila, bagagem pessoal, grego) do sujeito vivo e, com certeza, a morte se instala enquanto fenômeno necessário, complementar, no momento mesmo do nascimento.

Deveríamos buscar auxílio no estudo de crenças e religiões comparadas, no estudo dos mitos e dos povos arcaicos ou que vivam hoje, fazendo uso cotidiano e como absolutamente indispensável, de rituais pertencentes à sua tribo, a seus antepassados.

Deveríamos submeter-nos a uma análise profunda, rigorosa, sistemática de nós mesmos e buscarmos ouvir e compreender o grito/sussurro da morte, dos rituais, dos mitos que nos permeiam.

Em sociedades onde existem e são praticados ritos de iniciação das várias etapas da vida e da experiência da alma, não encontramos o suicídio como o encontramos nas sociedades civilizadas. Não encontramos nem mesmo, algumas formas de crimes como conhecemos pôr aqui. Nem mesmo as chamadas doenças mentais

Proponho uma reflexão profunda no sentido de que a ausência de rituais coletivos, rituais tribais, rituais domésticos e individuais ou seja, a ausência de um mito moderno contribuem para o surgimento dos crimes em seus vários aspectos e modalidades. Sugiro mesmo, que o suicídio atual é um salto desesperado da alma ao encontro das regiões onde residem os mistérios que são a ela (alma), tão queridos, indispensáveis e inseparáveis, e não, necessariamente, uma saída de situações conflitantes da vida.

Proponho ainda, uma real investigação dos mitos e rituais como uma necessidade absoluta da alma se organizar até o encontro primordial com seus seres ancestrais, illo tempore.

Na medida que a alma não se situa, não encontra uma ordem, (que é dada através dos rituais, uma reatualização dos mitos), ela promove uma desordem interior e ao redor, promovendo a possibilidade de surgimento do pseudo hierofante, do pseudo arauto dos mistérios, que é substituído em nossa civilização pelo juiz, pela autoridade, principalmente pelos políticos, pelo médico clínico que, não conhecendo os mistérios e nem são, pôr sua vez, iniciados, se limitam tão somente a dar uma resposta, uma ordem (aparente) ao caos, mas não promovem uma significação do fenômeno nem mesmo arranham o seu real entendimento, como esta aí demonstrado pela história caótica dos nossos tempos. Os traficantes, os atuais iniciadores nos mistérios das drogas hoje são os substitutos mais eficientes dos hierofantes (aqueles que anunciam os mistérios, em grego) e os políticos canhestros que se autointitulam os promotores da Ordem e da Moral Social (triste fado).  Estaria aí uma vertente de estudo do porque de tal atrativo fornecido pelas drogas, pelas políticas desvairadas, pelas redes sociais? 

     Eu defino droga, para estes efeitos, tudo aquilo usado para além dos limites necessários e tolerados, desta forma, qualquer compulsão tem uma característica de drogadicção.

Atrevamo-nos, pois, a conhecer profundamente, aquilo que temos conhecido de forma superficial e leviana: A Morte Cotidiana e seu séquito.

  

Marcus Vinicius Moreira de Assumpção

Outono de 1995